Os aplausos do agronegócio brasileiro a Donald Trump nunca fizeram tanto barulho — e agora ecoam como um tiro no pé. Enquanto o setor segue proclamando sua devoção ao mercado global e à retórica do "agro é pop", o ex-presidente americano ameaça transformar um dos principais pilares da nossa economia em refém de sua política externa.
A mais recente jogada de Trump é mirar o Panamá, um país estratégico para a logística do agronegócio brasileiro. O Canal do Panamá, que conecta a produção de soja brasileira aos mercados asiáticos, especialmente à China, está no centro de uma disputa que coloca o Brasil diretamente na linha de fogo. O bloqueio ou encarecimento das rotas não apenas afeta nossos agricultores, mas fragiliza ainda mais a competitividade do setor.
Ironia maior não há: os barões do agro, sempre tão prontos a bater palmas para Trump e seus discursos nacionalistas, agora se deparam com a dura realidade de que o protecionismo americano não distingue amigos de adversários. Para Trump, todos são ferramentas em sua guerra comercial e geopolítica. O Brasil, com sua política ambiental fragilizada e sua dependência da exportação de commodities, é um alvo fácil.
Não é a primeira vez que o setor, cego pelo imediatismo, ignora a interdependência global e a necessidade de planejamento estratégico. Enquanto o agro brasileiro insiste em negar o debate ambiental e em abraçar discursos que demonizam acordos multilaterais, perde espaço político e econômico. A tão celebrada "independência" do setor começa a se revelar uma ilusão.
O ataque ao Panamá escancara uma verdade incômoda: o agronegócio brasileiro, tão soberbo em sua narrativa de potência mundial, é dependente de rotas, mercados e decisões que não controla. O latifundiário que torceu para Trump agora tropeça na própria soja, e o preço dessa cegueira será cobrado em dólares, empregos e relevância global.
Talvez seja hora de o agro rever sua estratégia — antes que aplaudir líderes estrangeiros se transforme em um novo capítulo da nossa eterna vocação para colônia.
Everson Moraes Gonçalves é
Bacharel em Ciências Políticas e Relações Internacionais, Tecnólogo em Gestão Pública, Pós-graduado em Administração Pública e Gestão de Cidades, e Gerente de Projetos do Setor Público.