Durante décadas, a ideia de partidos políticos como pilares da democracia brasileira pareceu um sonho possível. Mas a realidade de hoje é outra: a fidelidade partidária praticamente ruiu. O brasileiro comum já não vota mais por legendas, ideologias ou programas de governo — vota em pessoas, slogans e, cada vez mais, em memes.
A origem dessa derrocada é múltipla. O primeiro ponto é a própria fragmentação partidária: o Brasil abriga dezenas de siglas, muitas das quais carecem de identidade clara. A sensação é de que há mais partidos do que ideias circulando na política nacional. Assim, a legenda, que deveria ser uma referência programática, torna-se apenas um número na urna.
Além disso, a política nacional mergulhou profundamente no personalismo. O eleitor é capturado por figuras carismáticas — heróis ou vilões, conforme o ponto de vista — e não por propostas consistentes. O "mito", o "líder", o "salvador" são fenômenos muito mais fortes do que a coerência de qualquer projeto partidário. Não importa se é um presidente, um deputado ou até um vereador: vence quem é mais conhecido, quem gera mais impacto emocional. O partido? Torna-se figurante.
Outro elemento importante é a desilusão generalizada. Escândalos sucessivos, como o Mensalão e a Operação Lava Jato, atingiram praticamente todos os grandes partidos, da esquerda à direita. Essa crise moral das legendas levou a população a vê-las como sinônimos de corrupção e interesses escusos. Num ambiente assim, poucos mantêm fidelidade a siglas manchadas.
As mudanças nas regras eleitorais também moldaram essa nova realidade. O fim das coligações proporcionais e a imposição de cláusulas de barreira tentam, ainda que tardiamente, reverter o caos partidário. Mas não é uma mudança que opera da noite para o dia: a cultura de infidelidade já está enraizada.
Há ainda o fator tecnológico: redes sociais e aplicativos de mensagens permitem que candidatos falem diretamente aos eleitores, sem mediações partidárias. Campanhas são feitas em perfis pessoais, não nas sedes dos diretórios. Influenciadores, youtubers e tiktokers muitas vezes têm mais capacidade de mover votos do que presidentes de partidos.
Essa transformação reflete um fenômeno maior: a sociedade brasileira está mais fragmentada, pragmática e impaciente. A velha militância, que sustentava partidos como o PT durante décadas, envelheceu ou se dissolveu. O bolsonarismo, em 2018, atropelou todas as estruturas partidárias tradicionais, canalizando uma energia de massa que nenhuma legenda isolada conseguiria reunir.
O sistema partidário brasileiro, nascido da redemocratização, foi projetado para fortalecer a democracia representativa. Mas a ausência de educação política, somada à descrença nas instituições e ao culto da personalidade, nos trouxe a esse ponto: partidos fracos, eleitores voláteis e uma política cada vez mais imprevisível.
O desafio para os próximos anos é monumental. Ou partidos se reinventam e recuperam sua função pedagógica e programática, ou seguirão como meros cartórios eleitorais — observando de fora enquanto novos atores tomam para si a representação política, com ou sem compromisso com a construção democrática.
Autor: Everson M. Gonçalves, Cientista Político pelo Centro Universitário Internacional.