Ano novo, vida nova. Repetida com frequência em finais de ano, essa frase tem especial sentido para dois irmãos de Campina das Missões, no Noroeste do Rio Grande do Sul. Foram 4 anos vivendo em acolhimento institucional, até que Daiane, de 14 anos, e Alessandro, 8, conheceram os pais adotivos, os indianos Ryan e Eusébio, residentes nos Estados Unidos. Após o andamento processual, que inclui a busca pelos pretendentes até o período de convivência que exigiu ao casal se mudar temporariamente para o RS, a família já se encontra em território norte-americano, onde começa, enfim, uma vida nova.
Ryan e Eusébio consideram que a experiência foi muito positiva e que, desde o primeiro dia, sentiram-se pais de Daiane e Alessandro. Os irmãos disseram que, desde o primeiro encontro, sentiram segurança e confiança ao lado do pais adotivos, e também grande expectativa pela mudança para outro país.
A Juíza Ana Lúcia Todeschini Martinez, titular da Vara Judicial da Comarca de Campina das Missões, conta que este foi o primeiro processo de adoção internacional em que atuou e que ficou emocionada com o desfecho. "Particularmente desejei que fossem muito felizes, a partir de agora, sentirão um amor que nunca sentiram na vida. Ter uma adoção internacional efetivada com sucesso no final do ano deu um banho de ânimo, de forças renovadas para seguirmos em frente com o nosso trabalho", afirma a magistrada.
Adoção internacional
O Rio Grande do Sul tem 69 crianças e adolescentes aptos à adoção internacional. As indicações ao cadastro obedecem as premissas da Convenção de Haia em matéria de adoção internacional (1993) e do Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo o principal critério o esgotamento das possibilidades junto ao Sistema Nacional de Adoção de Acolhimento, ou seja, quando não se identifica em todo o Brasil, pretendentes com perfil compatível com os dessas crianças e adolescentes.
Em âmbito estadual, é a Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Rio Grande do Sul (CEJAI/RS) quem atua na busca por pretendentes internacionais habilitados para adoção de crianças e adolescentes residentes no estado após esgotadas todas as tentativas de adoção nacional. Essa Comissão integra a Autoridade Central Estadual (ACE), órgão do Poder Judiciário em funcionamento desde 2016, que tem por objetivo fazer cumprir as normas da Convenção de Haia, que regulamenta a adoção internacional.
"O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura a proteção integral a toda a criança e adolescente. Embora medida excepcional e subsidiária, a adoção internacional garante o direito fundamental à convivência familiar e comunitária, sendo digno de elogios o trabalho desenvolvido pela Comissão Estadual Judiciária do TJRS para a Adoção Internacional", considera o Juiz-Corregedor Luís Antônio Abreu Johnson, membro da CEJAI/RS e Coordenador da Coordenadoria da Infância e Juventude do RS (CIJRS).
Busca e aproximação
Daiane e Alessandro foram acolhidos em 2019. Dada a impossibilidade de restabelecimento dos vínculos familiares, deu-se a destituição do poder familiar dos pais biológicos. Após o Processo de Destituição do Poder Familiar e esgotadas todas as possibilidades de adoção nacional, os irmãos foram indicados à Adoção Internacional pela Comarca.
Com a busca por pretendentes internacionais habilitados junto ao Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) compatíveis com o perfil, os jovens foram vinculados aos pretendentes Ryan e Eusébio, representados no Brasil pelo Organismo Internacional Hand in Hand International Adoptions.
Encaminhada a documentação dos pretendentes e confirmado o interesse do adotante, o casal indiano realizou videochamadas com a equipe técnica que acompanhava o processo de adoção. A mesma preparação também foi feita com os irmãos, que foram conhecendo os futuros pais através de fotos e vídeos.
Em setembro, as crianças se reuniram no Foro de Santo Ângelo com a equipe judiciária e com a representante da CEJAI para receber as primeiras informações e imagens de sua nova família. Eusebio e Ryan fizeram um álbum se apresentando para as crianças, que também produziram os seus materiais com a ajuda da equipe do acolhimento.
A aproximação virtual contou com o apoio da representante regional do Organismo Internacional para tradução. Durante as videochamadas, houve um notável empenho de ambas as partes, o que colaborou para uma boa construção de vínculo inicial. "Sentimos uma energia muito boa entre eles. Foi muito emocionante", afirma a Juíza Ana Lúcia.
A magistrada relata que havia muita expectativa de ambos os lados nesse encontro. "Tínhamos consciência das dificuldades que poderiam surgir, especialmente da adaptação, mas foi um trabalho com profissionais muito competentes. Foi um trabalho a muitas mãos", ressalta.
Estágio de convivência
O estágio de convivência durou cerca de 45 dias, sendo acompanhado pela equipe técnica de Campina das Missões, da Autoridade Central e do serviço de acolhimento. É preciso que os pais residam temporariamente no Brasil e oportunizem às crianças viver em um ambiente doméstico, com uma rotina semelhante à da realidade deles no outro país.
O casal chegou no início de novembro do ano passado ao Brasil. O processo foi permeado por aproximação, diálogos, construção de vínculos, novas descobertas e muitos passeios turísticos nos arredores do município, em Porto Alegre e até na cidade do Rio de Janeiro.
A Assistente Social Judiciária Ilone Loebens, do Juizado Regional da Infância e Juventude de Santo Ângelo, atuou no processo, acompanhando o estágio de convivência. " Até virem para o Brasil, foram realizadas diversas chamadas de vídeo, acompanhadas pelas equipes técnicas daqui e dos EUA. Quando se encontraram pessoalmente, parecia que já se conheciam há muito tempo, ocorrendo um encontro muito afetuoso", relata a servidora.
"O momento mais emocionante foi a primeira audiência do início do estágio de convivência. Eles sentados de mãos dadas ouvindo atentamente. Um dos pais afirmou que ao ver e abraçar Daiane e Alessandro pela primeira vez, sentiu que sua família estava completa, tendo certeza de terem tomado a decisão certa", lembra a Assistente Social.
Uma segunda audiência foi realizada para a entrega da sentença, no Foro de Campinas das Missões. "Tivemos a presença dos profissionais da cidade que acompanharam as crianças quando eram bem pequenas, quando foram retiradas da família de origem. Foi muito emocionante essa despedida para uma nova vida, uma vida de oportunidade, de amor e de carinho", celebra a Juíza Ana Lúcia Todeschini.
Finalizados os trâmites judiciais, a família embarcou para os Estados Unidos em dezembro.