Para Danilo Cabral, 16 anos, estudante do 2Âș ano do ensino médio do Colégio Galois em BrasĂlia, a medida exige mudança de comportamento. Vai alterar, por exemplo, a comunicação com a mãe ou com o pai. "Às vezes, no meio da manhã, eu decido que vou almoçar na escola, e fica um pouco mais difĂcil avisar aos meus pais."
Apesar do empecilho, Danilo acha que "é só uma questão de adaptação mesmo" e que vai ser "muito benéfico", porque "para prestar atenção nas aulas, a gente não pode mexer no celular", admite cerca de dez dias depois da volta às aulas.
BrasĂlia (DF) 14/02/2025 - Proibição do uso de celulares nas escolas. A aluna do colégio Galois, Joana Chiaretto. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/AgĂȘncia Brasil - Fabio Rodrigues-Pozzebom/AgĂȘnciJoana Chiaretto, da mesma turma que Danilo e também com 16 anos, percebe "mudanças muito positivas" no pĂĄtio da escola. "Antes, a gente via todo mundo no próprio celular. Sem conversar, nem nada, os grupinhos separados. Agora a gente vĂȘ um grupão de meninas jogando carta. A gente vĂȘ as pessoas conversando mais. Aqui na escola todo mundo estĂĄ trazendo jogos", conta com entusiasmo.
Para ela, "as pessoas são muito viciadas no celular." E, entre os mais jovens, "é muito difĂcil. Chega a dar aquela angĂșstia, de querer pegar o celular, de ligar pra alguém ou mandar uma mensagem."
A visão crĂtica dos dois adolescentes sobre o uso de celular no colégio e os benefĂcios da proibição são compartilhados por seus professores. "Melhorou muito no quesito entrosamento dos alunos. Eles tĂȘm que conviver juntos de novo", ressalta Victor Maciel, professor de biologia do ensino médio.
O professor observa que, sem o celular, "os alunos não tiram mais fotos do quadro" e, mais atentos, perguntam mais, tiram dĂșvidas e aprendem mais. "Eles tĂȘm que estar mais focados agora. A aula fica mais interessante para eles. Porque sabem que não vão ter tanta facilidade depois para conseguir aquele conteĂșdo."
PatrĂcia Belezia, coordenadora do ensino médio no Galois, também apoia a decisão. Ela se recorda de que, em ano anterior, a escola flagrou alunos jogando no celular inclusive em plataforma de apostas, "muitos viciados no jogo do tigrinho e em pôquer eletrônico. Eles faziam apostas entre eles." Como o exemplo é uma forma de educar, a coordenadora destaca que a restrição aos celulares na escola é para todos. Se estende aos funcionĂĄrios e aos professores.
A diretora do colégio Galois, Dulcinéia Marques. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/AgĂȘncia BrasilDulcineia Marques, sócia fundadora do colégio, acha que "ganhou um presentão" com a lei aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo presidente da RepĂșblica. Para ela, o aparelho celular pode ser um marcador de desigualdades sociais em função do modelo e do pacote de dados.
Ao seu ver, essas distinções distorcem o espĂrito das escolas que exigem o uso de uniforme igual para todos, que tem um propósito. "É o jeito de educar esses meninos. É assim para igualar as crianças e adolescentes. Para não trazer para dentro da escola o poder aquisitivo que os diferenciam pelos tĂȘnis e marcas de roupa."
A escola de Dulcineia Marques, no Plano Piloto, atende a 1.198 meninos e meninas das quatro séries finais do ensino fundamental e dos trĂȘs anos do ensino médio. A 32 quilômetros dali, em Ceilândia, no Centro Educacional n° 11, o diretor Francisco Gadelha atende a 1.512 estudantes dessas séries e também homens e mulheres de 18 a 60 anos do ensino de jovens e adultos (EJA). O diretor também faz elogios à proibição dos celulares.
"No começo, eu era contrĂĄrio à lei, por entender que o celular é uma ferramenta tecnológica. Mas agora estou observando em poucos dias como estĂĄ sendo benéfico inclusive no comportamento. A gente estĂĄ tendo menos brigas, menos situações de bullying."
Gadelha estĂĄ aproveitando a entrada em vigor da Lei nÂș 15.100/2025 para provocar a reflexão dos alunos e dos professores. Na preparação do ano letivo, a escola adotou o livro "A geração ansiosa: como a infância hiperconectada estĂĄ causando uma epidemia de transtornos mentais", do psicólogo social Jonathan Haidt, como referĂȘncia para a criação de um projeto pedagógico em andamento.
Segundo ele, os trĂȘs primeiros dias de aula no perĂodo diurno foram "cansativos" porque teve de guardar na escola 15 celulares que os alunos trouxeram de casa. Os aparelhos foram devolvidos aos responsĂĄveis pelos estudantes. Apesar da escola retirar o telefone dos alunos, apenas um pai reclamou. "Em regra, os pais estão gostando muito", avalia o diretor.
Além da direção da escola durante o dia, Francisco Gadelha ainda leciona para adultos no perĂodo noturno. De acordo com ele, a proibição do celular "é mais difĂcil no EJA, porque os adultos estão mais viciados do que as crianças." Com eles, a escola propõe um termo colaborativo para manter os aparelhos longe das salas de aula."
Para Luiz Fernando Dimarzio, analista pedagógico da Ctrl+Play, uma escola de tecnologia para crianças e adolescentes em cidades do Estado de São Paulo, a lei que proĂbe celulares é "polĂȘmica", pois "a questão do permitir ou proibir é acabar indo muito nos extremos."
Dimarzio opina que é preciso buscar "como que a gente pode utilizar isso de forma saudĂĄvel, e ensinar o uso consciente da coisa. Eu fico pensando, serĂĄ que, de repente, definir momentos especĂficos para uso? Para uma pesquisa, tem inĂșmeros aplicativos educacionais, né? SerĂĄ que, de repente, definir momentos especĂficos para o uso não seria mais interessante?",
Em suas indagações, o analista pedagógico lembra que a lei faculta o uso de aparelhos eletrônicos em sala de aula "para fins estritamente pedagógicos ou didĂĄticos, conforme orientação dos profissionais de educação".
Victor Freitas Vicente, coordenador de educação do Instituto Felipe Neto, avalia que havia um clamor no paĂs pela adoção da lei contra os celulares nas escolas "e que a proibição pode ser um passo importante no contexto de ambientes digitais cada vez mais tóxicos."
Ele, no entanto, pondera que "a escola não é um jardim murado. Ela é um polo conectado com os desafios da sociedade" e, nesse sentido, "precisa preparar as novas gerações para os desafios que as tecnologias digitais estão colocando, não só em relação ao comportamento, mas em relação a uma nova ordem econômica, a inteligĂȘncia artificial."
O coordenador também defende os resultados da proibição do celular sejam avaliados em pesquisas sobre aprendizagem, e que seja implantada a PolĂtica Nacional de Atenção Psicossocial nas comunidades escolares, que ainda não tĂȘm regulamentação definindo as regras prĂĄticas para adoção nos diferentes sistemas de educação brasileiros. Além disso, ele é a favor de que o Congresso Nacional retome a elaboração da lei sobre funcionamento das redes sociais.
Thessa Guimarães, presidenta do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal (CRP-DF) considera "fundamental tirar da gaveta projetos de lei que contribuam para a regulação das redes sociais, compreendendo que hoje a nossa vida atravessa as redes sociais". Ela ressalta que, por causa das redes sociais, "um dispositivo eletrônico é uma porta aberta a toda a produção humana que existe, inclusive a produção de discursos de ódio, a produção de difusão de métodos de auto-lesão e de suicĂdio."
Raquel Guzzo, pesquisadora e professora titular de Psicologia na PUC de Campinas, considera que as redes sociais, acessadas principalmente por meio de celulares, "tĂȘm um impacto significativo na autoestima e na percepção de si mesmos entre adolescentes, que podem se sentir pressionados a corresponder a padrões irreais de comportamento e estética."
Ela lembra que as redes sociais "são projetadas para maximizar o tempo que os usuĂĄrios passam nelas, utilizando algoritmos que promovem o engajamento contĂnuo." No entanto, "outros recursos do celular, como jogos e aplicativos, também podem contribuir para a dependĂȘncia, especialmente quando usados excessivamente."
A psicopedagoga Gabriela de Martin, especialista em saĂșde mental pela UFRJ, avalia que a linguagem utilizada pelos mais jovens e os recursos para a escrita nos celulares também são comprometedores da linguagem e podem gerar barreiras quando forem buscar trabalho.
Gabriela de Martin tem experiĂȘncia com a colocação profissional de jovens aprendizes (14 a 18 anos) no mercado de trabalho, mas enfrenta, no entanto, "imensa dificuldade, porque os meninos nessa faixa etĂĄria estão analfabetos."
"Temos uma linguagem usada nos aplicativos de mensagem que não tĂȘm palavras por inteiro, cheia de erros de pontuação. Muitas vezes é o próprio teclado que vai criando o texto. Eu jĂĄ vi muita gente que chega com 16, 17 anos sem capacidade de formular uma resposta", lamenta Gabriela.
Totalmente favorĂĄvel à proibição dos celulares nas escolas, a presidenta do CRP-DF, Thessa Guimarães, alerta para os riscos de crise de abstinĂȘncia pela ausĂȘncia do celular, com efeitos fĂsicos e psĂquicos, que pode acontecer "na ausĂȘncia de qualquer droga, lĂcita ou ilĂcita, na ausĂȘncia de um companheiro amado a partir de uma separação, ou na ausĂȘncia de um dispositivo que se tornou a centralidade da vida daquela criança e daquele adolescente."
Em caso de sĂndrome, Thessa Guimarães recomenda apoio familiar e busca de profissional qualificado para atendimento psicológico e "naturalmente, a substituição progressiva da centralidade daquele dispositivo por mais comunhão familiar e participação em atividades paradidĂĄticas, extracurriculares."
"É preciso povoar a vida dessa criança e desse adolescente de novos interesses e de novas aberturas, para que ela possa se recuperar do vĂcio e explorar outras potencialidades."