Quisera ter visto teu rosto... Uma vez apenas.

Por Regional 24 Horas em 06/12/2023 às 08:27:23

Queridos leitores. Quantos de nós, em tantos lugares, passam a vida a sentir saudade daquilo que jamais tiveram, em busca de alguém que não conheceram, o rosto de qualquer um ou a face de ninguém. Sem ter um passado, uma raiz definida, sem memória afetiva. Pelo menos não aquela que se gostaria de ter, a lembrança da verdadeira origem.

Não saber quem se é de verdade, não ter acesso aos laços sanguíneos, é viver como se faltasse um pedaço, uma história que não pode ser contada em detalhes, porque esses lhes foram tirados, arrancados a força no momento em que mais precisavam ter sido preservados, mantidos a salvo desde a infância.

Quantas pessoas que estão entre nós vivem assim e a gente sequer faz ideia disso. Pensamos conhecer a fundo os nossos amigos, os vizinhos, os nossos familiares. Nem sempre é assim. Muitos deles evitam, escondem ou nem mesmo sabem de suas próprias histórias, vivem em desespero, em constante busca para que possam se sentir enfim parte de uma realidade que talvez nunca tenha sido a sua, estão aprisionados em seus conflitos emocionais e quem sabe permaneçam assim por toda existência.

O abandono, talvez seja a pior das formas de rejeição do ser humano, e digo talvez pelo fato de tentar ainda entender, um pouco que seja, das muitas razões que levam alguém a abandonar seus filhos, pequenos pedaços de suas próprias carnes, o sangue que brotou de suas veias e se expandiu em alguém que levará suas marcas a muitos lugares, alguém que carregará cicatrizes por uma vida inteira, sem conhecer ao menos os reais motivos.

Ao julgar os rancores, as mágoas e as reclamações constantes vindas de pessoas que nos cercam de alguma forma, é preciso olhar com mais calma, dar a devida atenção. Precisamos entender que no outro muitas vezes habitam as dores de feridas que sangram, sem tempo certo de cura. Os abandonos são tantos, existem de tantas formas. Compaixão, resiliência, empatia... Na ausência das palavras, permita que o outro sinta-se mais seguro dentro do seu abraço! Acolher é uma forma de se fazer presente. Um ato fundamental a quem por vezes não sabe se está chegando ou partindo.

Quisera ter visto teu rosto... Uma vez apenas.

"E eis que talvez um dia eu possa lembrar-me de ti sem medo, conviver melhor contigo, estar com a tua ausência sem dor... Algo que aconteceu sem jamais ter sido minha opção. Tu fostes o meu algoz num tempo que eu não tinha escolha, vontades não me cabiam, expressão que não posso lembrar mas, acredito que sim, devo ter tido alguma...

Um pranto que fosse, o choro em forma de súplica, daquele que nada sabe, não entende. Me vi a mercê de tudo e de nada ao mesmo tempo. Será que senti saudade!? Difícil dizer, fui apenas crescendo do jeito que pôde ser, um vazio imenso que preencheu em mim uma vida. A minha? Sim. A que eu tive, a que não tive, não me foi permitido e todas aquelas que eu poderia ter tido mas...

Restou-me uma apenas. Essa vida que levo e que fez de mim a força em forma de personalidade, o amor em forma de obediência destinado à caridade, sou alguém que sorri ante qualquer obstáculo não por estar contente mas por ter aprendido a disfarçar ansiedades diante do desconhecido, por puro temor. Reflexos da rejeição. E posso dizer então que me sinto feliz, entre meio a tantos outros, alguns eram iguais a mim, outros no entanto substituíram figuras que deveriam ter sido reais. Não foram. Me jogaram num canto como um pedaço qualquer, de qualquer coisa, aquilo que ninguém quer. Reflexos de uma atitude! Minha? Jamais.

Quem dera dependesse de mim. Por certo teria mudado tudo. Não há mais tempo. Resta compreender que foi essa talvez a única forma de permanecer assim... Vivo. Inúmeras cicatrizes, dores que ainda doem, lágrimas que eu escondo. Até meus abraços por vezes sufocam, reflexos do medo que ainda sinto de ser largado outra vez, embora eu não lembre de tudo, minha memória guardou resquícios, na verdade escondeu, evitando meu sofrer. Já foi o bastante. Cresci desviando de minhas fragilidades, não houve uma referência, guiado por muitas vozes, confuso. Sabendo de nada ser dono, a ninguém pertencer além de a mim mesmo. Soube aceitar e ser grato sem saber pelo quê. Criei raízes em solo desconhecido, uma semente lançada sem rega, em terra revolta, deixado no esquecimento...

Vítima do abandono! Sinto saudade sim, algo que dilacera, vertem lágrimas em mim, mas o mais triste mesmo é não saber do quê? De quem? E ainda assim me pergunto em meio as tribulações de meus dias, nos distúrbios que afetam as noites... Será que és capaz de lembrar-te de mim? Sinto tanto tua falta sem ao menos conhecer-te. Incertezas que persistem. Quantos de nós ainda crescerão assim, sendo apenas pedaços de alguém, um resto de gente. Vejo isso já faz tempo. Alguns chegam outros se vão mas eu ainda permaneço e nem sei se quero ir. Ficar ou partir, tanto faz, eu sequer me reconheço. Levastes contigo o amor ou será que o deixou comigo, a dor que transformei em espera..."

Cláudia Oliveira

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